segunda-feira, 29 de abril de 2013

Nosso jantar

O cheiro da carne de porco no momento do jantar me trouxe de volta a casa da avó com tudo a que se tem direito. Casa cheia, televisão ligada, barulho, conversa, latidos, risos, cheiro de banho tomado misturado ao cheiro da carne na panela e a fome a espera do prato cheio com um pedacinho a mais do bife escondido debaixo do arroz.

“Quem vai na frente bebe água limpa”, os primeiros diziam enchendo os pratos. “Fulaaaaano, já tá quente. Não faz hora.”, as mães repetiam.  “Eu também quero ovo”, a gente pedia, com o olhar já de quem está prestes a se agoar. E assim a casa se enfeitava durante todas as noites com a garantia de que aquele momento nunca nos faltaria, pelo menos essa certeza nunca me foi questionada. Durante o jantar, escondíamos o prato um do outro, roubávamos os lugares já predeterminados, dávamos um tapa na cabeça do outro, testando a alegria de estarmos juntos.

Depois do jantar, vinha a laranja ou a mexerica colhida em casa, ou quizá um doce figo, de cidra ou de laranja da terra, ou algumas raras vezes um doce de leite ou de abóbora com coco vindo da casa da tia. Nos janeiros, eram tigelas enormes de mingau que ocupavam toda a geladeira e que rendiam doações a toda a família, inclusive à vizinhança. E ainda assim, rendiam para um mês inteiro. Nas brincadeiras de família, trocávamos, daquela prima mais boba, o mingau de milho verde pelo angu que sobrava do jantar, e ela, displicente, sempre mordia um pedaço até se dar conta do que havia acontecido. Tudo isso nos gerava horas de riso, que se prolongavam por toda a noite.

Na hora de arrumar a cozinha, os homens iam para frente da televisão ou saiam para dar uma voltinha na rua, e nós, mulheres, sujeitávamos as mãos finas e delicadas à água clorada, ao sabão de barra e à sujeira dos pratos e panelas muito bem aproveitados. Havia ainda a comida dos cachorros, que ficava a cargo daquela mais paciente, que deveria picar a carne, reservar o fundo da panela do bife e catar e lavar cada pratinho esmaltado, alem de já saber os lugares reservados para colocar a porção já calculada de cada um deles.
Com a barriga cheia, inventávamos o que fazer até a hora de dormir. Poderíamos sentar no terreiro sobre a brisa da noite e contar casos e mais casos, poderíamos ir para frente da televisão assistir aos capítulos mais esperados da novela, jogar um jogo de dama, um jogo de cartas e depois, cama. Às vezes, não sempre, éramos embalados pelas histórias de assombração que tanto medo nos causava.

E na hora de ir para a cama, a felicidade coloria aqueles nossos rostinhos de criança. Com muito pouco, vivemos uma infância rica e marcante, com direito a casa de avó, brincadeira de família, sempre unida, animais de estimação, jabuticaba colhida no pé, reunião de família aos domingos e casa cheia sempre. E agora, ao sentir o cheio da carne de porco, no momento do jantar, mesmo que distante, no tempo e no espaço, me aproximo de todos aqueles dias, por meio da lembrança fortemente ativada. Ainda que sozinha no silêncio do meu quarto, hoje durmo com aquela mesma sensação de quando era criança: alegre, protegida e muito mais feliz.



domingo, 28 de abril de 2013

Hoje

Difícil? Pesado? Depende da companhia... Hoje, depois de tanto pensar, depois de tanto tentar equilibrar prós e contras, me despi de toda máscara e de toda felicidade inventada. Aquela a quem sempre compartilhava a vida, e passei a poupar-lhe das minhas dúvidas e dívidas tão tolas e banais, voltou a ser minha conselheira nos meus momentos mais sofridos. Sempre discutimos, é verdade, mas saio dessa nossa relação me sentindo um outro alguém tão mais forte, tão mais madura, tão mais eu. E mãe é mãe e isso não se discute!

Seus conselhos às vezes machucam, suas recomendações são sempre tão difíceis de serem seguidas, sua sinceridade me assusta, mas quando me sinto mais frágil é quando fazem toda a diferença. Nossas opiniões se divergem, nossos gostos são tão opostos, mas nosso amor se converge, nos aproxima e nos faz uma só – mãe e filha.

E hoje, me sentindo tão pequena, tão sozinha, ela, sem perceber, como tantas outras vezes, me fez me sentir a pessoa mais importante do mundo, pelo menos para ela. E suas falas tão suas, me fez perceber como sou tão especial, como mereço algo verdadeiramente grandioso, e como eles, os outros, é que não se dão conta de quem deixam partir.

Se o amor alheio é questionado, o dela é sempre sentido nos detalhes de um telefonema carinhoso, nos sorrisos nas tardes de sábado, na comida preferida ainda no fogão, nos abraços nas manhãs de domingo e em sua despedida no final da tarde quando a partida é inevitável. No seu não fazer nada para ficar me escutando com minhas histórias intermináveis, com meus planos incompletos, com meus vacilos e gargalhadas de toda semana.

E hoje, num dia frio, de tantas dúvidas e medos, de mendigar amor e de sofrer por ele, ela me trouxe o seu amor, me transbordando carinho e cuidado. Hoje, mais uma vez, ela me trouxe de volta, me encontrou perdida em mim e me fez me encontrar e me amar novamente. E hoje, por causa dela, e só dela, continuo de onde parei. E hoje, por ela e para ela, sou alguém melhor, sou o melhor alguém.



sábado, 20 de abril de 2013

O tempo


Está em dúvida, é? Que bom! Isso prova que nossas verdades são questionáveis, que nossa segurança é provisória e que quem somos e o que queremos pode e deve ser revisto a qualquer momento. Percebo sua dúvida estampada nesse olhar embaçado, sinto a insegurança exalando no ar, percebo o medo nessa frieza nunca antes experimentada.

Sei que você precisa de um tempo para se reencontrar, sei também que você necessita se conhecer melhor e entendo que preciso sair de cena por um tempo porque tudo o que eu poderia fazer já foi feito.
Foi pelo bem que te procurei, foi por desejo que insisti em te encontrar de novo, é porque acredito no amor que persisto nele e nas suas peripécias.

Vou te esperar e te dar o tempo que você precisa para refletir, repensar, reavaliar e reescolher. O amor nos faz esperar, o desejo nos coloca em posições nunca antes imaginadas, o querer nos faz continuar. E o tempo, só e apenas o tempo, nos dirá o que da vida esperar. O destino, e apenas ele, será capaz de nos responder a todas as perguntas, sem respostas imediatas, que nos fazemos agora. Enquanto isso, desejo que o tempo mostre a você que a melhor escolha sou eu e que tantas outras pessoas desejariam ocupar o seu lugar.


terça-feira, 9 de abril de 2013

Presa a ele

“Deixa ele partir”, dizia meus pensamentos. “Não desista”, contradizia meu coração. E nessa confusão de sentimentos, revesava entre o querer intensamente e o não mais se prender. Quanto a ele, transitava a todo o tempo entre os meus pensamentos e o coração. Nessas horas, nunca se sabe o que fazer nem o que pensar. O que eu sabia é que naquele momento já não o tinha mais e era com essa realidade que eu precisava jogar.

Eu sabia que precisava, de alguma forma, me desapegar, mas não conseguia. Suas lembranças, a toda hora, vinham me visitar. Meu coração o prendia. Mas eu precisava deixá-lo ir, embora meus pensamentos não conseguissem abandoná-lo.

Queria tanto poder mandar no meu coração para quando essas dúvidas surgissem, de modo imperativo, ordená-lo: “liberte-o e o deixe partir. Outros amores virão”. Ele, disciplinado, me obedeceria, e a vida seguiria na monotonia morna e peculiar. Mas fácil seria se assim fosse. Dessa forma, não haveria dores de amor, paixão não correspondida tampoco teríamos o cotovelo machucado.

Mas a vida surpreende. E presa não só a ele, mas a esse pensamento esperançoso, respiro aliviada por saber que se presa eu estiver também a ele, nos libertaremos os dois para vivermos juntos uma livre vida de liberdades.


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Um sim


O tempo, senhor da justiça, foi o único capaz de mostrá-la o que saía de errado durante tanto tempo. Ciente dos erros cometidos, restava-lhe agora reorganizar as prioridades, sempre confundidas, rever alguns passos e seguir em frente, disposta a mudar o roteiro final. Pelo sim ou pelo não, muita coisa mudaria dali em diante.

Segura das últimas descobertas, não havia mais o que temer. Tudo conspirava a seu favor, e na pior das hipóteses, com o erro já identificado, ficava mais fácil acertar das próximas vezes. E porque não queria próximas vezes, seu sangue corria quente nas veias no ritmo da batida do seu coração, que soprava aos ouvidos: “Confia em mim!”.

 Em harmonia, todo o corpo trabalhava em prol daquilo que julgava ser sua felicidade, almejada ardentemente. A pele lisa, os cabelos sedosos e os olhos brilhantes era um sinal de que, apesar de toda aquela ansiedade, tudo corria bem.

Um sim ansiosamente aguardado transformaria sua vida para sempre, anunciando borboletas ao redor, noites sempre estreladas e arco-íris na madrugada. Por meio daquela mudança forte, porém lentamente detectada, ela seria uma nova mulher disposta a fazer valer todos os sonhos de duas vidas.



domingo, 7 de abril de 2013

Por mim

Tô tentando correr atrás daquilo que acredito ser o melhor para mim. Tô tentando ser feliz, tô tentando me fazer feliz. Quero estar em paz com minha consciência e fazer tudo o que sou capaz. Se eu perder, se nada der certo, se as coisas fugirem ao meu controle (se algum dia o possuí) não haverá tantos problemas e arrependimentos por saber que tentei, que dei o meu melhor, que nada além poderia ter sido feito.

Por mim, apenas por mim, dessa vez, será necessário conduzir toda situação desse jeito, desse jeito diferente de todos os outros. Que eu me permita, que sinta fazer o que é certo por agora e depois eu me entendo com todos os meus posteriores pensamentos e avaliações.

Tô tentando, tô cumprindo uma promessa e tô levando a sério essa história toda de ser feliz. Deixa eu me arriscar? Por mim, apenas por mim, deixa eu me arriscar? 

Nada para impressionar, apenas a vontade de ser feliz, e se possível, com alguém que queira, assim como eu, ser feliz também. Quero tentar acertar dessa vez, fazer direitinho, me dedicar, terminar as lições de casa e tirar dez na avaliação final. Quero que dê certo. Quero estar bem, quero ser feliz e quero estar em paz. Quero ter a certeza de que tentei, de que valeu todo o esforço e de que é ele.


quarta-feira, 3 de abril de 2013

A canção da eternidade


Ela, inocente, acreditava que ouvindo aquela música, que o trouxera enviado pelos acordes sonoros e mentais, o teria de volta. E porque acreditava também em destino e na força do pensamento, por todos os dias ativava a mesma trilha sonora e imaginária de um dia de desejos e ilusões.

E assim viveu por muito tempo, reavivando dia a dia lembranças já distantes e perdidas no tempo, recolhendo cacos de sentimentos e recordações gastas pela vontade definhada ao longo do caminho. Mas ela acreditava, e isso, apenas isso, era o suficiente para prosseguir.

Aquela canção tocou por muitos e muitos dias, o replay das mesmas cenas se repetiram incansavelmente, a vontade de reencontrá-lo era renovado a cada manhã, em seu primeiro pensamento do dia, e a crença de que ele voltaria alimentava sua esperança de sonhos fortemente realizados.

E a sua força do pensamento tão grande foi que de fato ele reapareceu, mas de uma forma adversa. Ao contrário do que esperava, ela é que foi levada a ele. Linda ela estava. Um vestido alvo e levemente transparente escondia toda a sua inocência, já a sua felicidade se via estampada num sorriso largo de satisfação e realização. Ela sabia, aliás, tinha certeza de que haviam sido feitos um para o outro, embora ele tivesse sido arrancado injustamente das suas mãos. E de um sonho diário, ela começou a viver o que chamou, naquele momento, de sonho eterno. E embalados pela canção incansavelmente repetida, eles seguiram de mãos dadas rumo a eternidade, de onde jamais poderiam ser retirados.