O cheiro da carne de porco no momento do jantar me trouxe de
volta a casa da avó com tudo a que se tem direito. Casa cheia, televisão
ligada, barulho, conversa, latidos, risos, cheiro de banho tomado misturado ao
cheiro da carne na panela e a fome a espera do prato cheio com um pedacinho a
mais do bife escondido debaixo do arroz.
“Quem vai na frente bebe água limpa”, os primeiros diziam
enchendo os pratos. “Fulaaaaano, já tá quente. Não faz hora.”, as mães
repetiam. “Eu também quero ovo”, a gente
pedia, com o olhar já de quem está prestes a se agoar. E assim a casa se
enfeitava durante todas as noites com a garantia de que aquele momento nunca
nos faltaria, pelo menos essa certeza nunca me foi questionada. Durante o
jantar, escondíamos o prato um do outro, roubávamos os lugares já
predeterminados, dávamos um tapa na cabeça do outro, testando a alegria de
estarmos juntos.
Depois do jantar, vinha a laranja ou a mexerica colhida em
casa, ou quizá um doce figo, de cidra ou de laranja da terra, ou algumas raras
vezes um doce de leite ou de abóbora com coco vindo da casa da tia. Nos
janeiros, eram tigelas enormes de mingau que ocupavam toda a geladeira e que
rendiam doações a toda a família, inclusive à vizinhança. E ainda assim,
rendiam para um mês inteiro. Nas brincadeiras de família, trocávamos, daquela
prima mais boba, o mingau de milho verde pelo angu que sobrava do jantar, e
ela, displicente, sempre mordia um pedaço até se dar conta do que havia
acontecido. Tudo isso nos gerava horas de riso, que se prolongavam por toda a
noite.
Na hora de arrumar a cozinha, os homens iam para frente da
televisão ou saiam para dar uma voltinha na rua, e nós, mulheres, sujeitávamos
as mãos finas e delicadas à água clorada, ao sabão de barra e à sujeira dos
pratos e panelas muito bem aproveitados. Havia ainda a comida dos cachorros,
que ficava a cargo daquela mais paciente, que deveria picar a carne, reservar o
fundo da panela do bife e catar e lavar cada pratinho esmaltado, alem de já
saber os lugares reservados para colocar a porção já calculada de cada um
deles.
Com a barriga cheia, inventávamos o que fazer até a hora de
dormir. Poderíamos sentar no terreiro sobre a brisa da noite e contar casos e
mais casos, poderíamos ir para frente da televisão assistir aos capítulos mais
esperados da novela, jogar um jogo de dama, um jogo de cartas e depois, cama.
Às vezes, não sempre, éramos embalados pelas histórias de assombração que tanto
medo nos causava.
E na hora de ir para a cama, a felicidade coloria aqueles
nossos rostinhos de criança. Com muito pouco, vivemos uma infância rica e
marcante, com direito a casa de avó, brincadeira de família, sempre unida,
animais de estimação, jabuticaba colhida no pé, reunião de família aos domingos
e casa cheia sempre. E agora, ao sentir o cheio da carne de porco, no momento
do jantar, mesmo que distante, no tempo e no espaço, me aproximo de todos
aqueles dias, por meio da lembrança fortemente ativada. Ainda que sozinha no silêncio
do meu quarto, hoje durmo com aquela mesma sensação de quando era criança:
alegre, protegida e muito mais feliz.