sexta-feira, 26 de junho de 2015

Viver dói


O que eu faço com toda essa dor que voltou a latejar aqui dentro? E com essa sensação de que as coisas começam a pesar a cada dia um pouco mais? Vai passar, tudo vai melhorar, foi só um tombo. É o que eu tento pensar pela milésima vez, me perguntando quantos tombos mais ainda faltam acontecer. De repente, uma lembrança... um choro. “É a TPM”. Penso. “De novo?”. Mas, não. Não é. Meu diagnóstico para toda essa dor repentina? Viver.

E percebo, viver dói sim. Dói muito. Tudo dói. Dói estar aqui. Ou não estar. Dói não ter para onde ir. Ou ter para onde ir, mas não se poder ir. Dói fazer escolhas. Ou não tê-las por se fazer. Doem as mentiras e a verdade. Doem as chegadas e as partidas. Dói quando nos alienamos. E dói ainda mais quando a ficha cai. Dói às vezes não se ter o que fazer ou o não poder ajudar. Em alguns momentos, dói estar perto. Em outros, o não estar. Dói muito ouvir o que não se queria, outras vezes, dizer o que não deveria. Doem as expectativas e as desilusões. Dói a saudade. Essa sim dói ainda mais. E dói também o medo. O medo de não mais se ter no futuro o que se tem agora.

Enfim, tudo dói. Pensar dói. Não pensar também dói. O encontro dói, o desencontro dói. Amar também dói. Pelo medo de não mais se ter. Pelo receio da partida. O não amar também dói. O ódio dói. Nascer dói e viver é doer, doer muito. Doer, em especial, o estômago. Às vezes dores muito fortes, um quase morrer. Outras vezes, dores nem tão forte, mas constantes.

Essa dor, às vezes, parece uma tatuagem cravada na pele, como um carma. Como se fosse preciso doer para existir. Ou existir doendo... 

E nessa luta contra a dor, encontro minha morfina, que me conforta e me acalma: “Impossível para uma criança viver a lucidez da ferida que se abre ao nascer, e não há bálsamo capaz de cicatrizá-la vida afora. Nascer é abrir-se em feridas.”

Sinto muito Emílio Moura e Leila Ferreira, mas viver dói sim. E com mais algumas injeções de Bartô, digo, de morfina, a dor finalmente alivia e me deito rememorando o mantra: “Há que experimentar o prazer para, só depois, bem suportar a dor”.