quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Sozinha

Meu aniversário se aproxima. Me sinto confusa aqui. Decidi que quero passar esse dia completamente sozinha. Esse será meu maior presente: ficar sozinha. Porque no final das contas é assim que me sinto: sozinha. E é assim que quero estar. Não quero receber nem abraços, nem sorrisos, nem beijos, porque os que mais almejo estarão longe de mim.

Sinto que preciso desse tempo para realinhar o que vim fazer aqui (na França e nessa vida) e por tantas vezes me esqueci. Preciso desse tempo sozinha para recalcular a rota, para voltar a me entender comigo mesma, para reequilibrar as energias, tomar um fôlego e retomar o caminho, o caminho de volta para mim.

Não quero focar no que tem sido difícil porque viver é isso, enfrentar desafios. Sempre entendi que preciso deles para encontrar mais sentido na vida, para me fortalecer e enfrentar novos. No final, a cada um deles vencido, com ou sem louvor, muitas vezes não como gostaria, mas como dei conta naquele momento, percebo o quanto sou capaz de seguir, e tudo isso me faz querer continuar.

Desde o início eu soube que não seria simples. Muitas vezes bate uma solidão como nunca senti antes. Não é uma solidão de tristeza ou medo de estar só, mas uma solidão que me traz raiva, que me pede um por quê e para o qual muitas vezes não encontro resposta. Por isso essa necessidade de estar sozinha. Para encontrar respostas que estão quietinhas aqui dentro de mim à espera de um momento para virem à tona.

Não me sinto triste, mas cheia de emoção. Eu escolhi estar aqui, eu escolhi viver tudo isso, mesmo deixando de lado tanta coisa, tanto conforto, tanta segurança, mesmo tendo que abrir mão de ver Alice crescer (ainda não consigo acreditar que ela já vai fazer 6 anos e não a vi com 5). E isso quase me mata. Letícia e Marília indo já para o nono ano e eu aqui, tão longe. Fico me perguntando se faria alguma diferença se eu estivesse mais presente. Enquanto isso, a barriga de Michelle cresce, nossa bebezinha vai nascer e não vou estar por perto para dar as boas-vindas para mais uma das nossas. Mais um Natal e Reveillon com sentidos completamente diferentes de todos os outros que vivi até aqui. Nossa história segue, mas eu, à distância.

Por outro lado, as sementes têm dado frutos, a tese não avança como eu gostaria, mas na prática muita coisa tem acontecido. Nossos migrantes têm sido acolhidos com carinho nas escolas, os profissionais que os recebem têm entendido um pouquinho mais sobre essa realidade e toda essa discussão e sensibilidade tem chegado a mais pessoas. Se tem valido a pena? Sim, muito! E acho que é isso. É esse entendimento que busco. Precisa fazer sentido abrir mão da minha vida no Brasil em troca de algo muito maior, fora, mesmo que seja uma escolha. E quando percebo tanta coisa avançando, quando recebo mensagens e áudios de agradecimento pela ajuda, pelas orientações, por mostrar um caminho que deveria ser claro e iluminado, mas que para tantos se mostra obscuro e desconhecido, tudo faz muito mais sentido e vejo que cada vez mais tem valido a pena. Nessas horas, cada minuto de cansaço é divinamente abençoado e recompensado. 
 
Mesmo assim, de tempos em tempos, preciso ficar sozinha. Para recarregar as energias, para retomar minhas forças e meu foco. Fico pensando que talvez o estudo foi só um meio que chegou até mim para poder cumprir meu papel aqui. A tese vai ser a parte escrita, mas não mais importante que cada família e cada criança acolhida como merece, a princípio nas escolas, mas futuramente, na cidade, no estado, no país, no mundo. Como diz uma autora de quem gosto muito, migrantes somos todos nós, migrando do útero da mãe para o exterior, de uma casa para outra. Eu, aqui, tenho migrado o tempo todo, dentro de mim mesma. A cada momento ocupo um lugar diferente. E no dia do meu aniversário, quero ficar sozinha, para migrar de volta para dentro de mim.