sexta-feira, 23 de novembro de 2018

O baile da vida


Tenho compreendido que relacionar-se é uma das mais difíceis artes do viver. Compreender o outro, seus desejos, seus anseios, seus medos e lidar com tudo isso às vezes é da ordem das coisas quase impossíveis, já que se entender já é muito complexo, quem dirá entender o outro.

Nessa dança da vida, o baile não tem hora para acabar. Dança-se com um, dança-se com outro. Pisa-se no pé, dança-se de novo com o primeiro ou nunca se dança com aquele ali que não solta a loirinha de cabelos longos e brilhantes. E o baile segue…

E a cada baile, a gente aprende um passo novo, ou pelo menos assim deveria ser. E com um novo par a gente entende que cada um tem seu jeito particular de dançar, de rodar, de convidar para a contradança, de se despedir, de voltar ou nunca mais voltar.

A gente aprende também que quanto mais confortável a roupa, melhor se dança; quanto mais prática se tem, mais segura se sente; quanto mais se erra, menos se julga. Aprende também que com o mesmo par ou se cansa ou se aperfeiçoa. Aprende que sempre é chegada a hora de partir, ou do outro partir. Aprende que à meia-noite já é hora de ir embora ou é quando melhor o baile se torna.

E tem a hora em que o corpo, a mente e a alma pedem para não mais voltar. Ou porque se machucou o pé ou o coração; ou porque o tempo passou e não mais as mesmas pessoas frequentam o mesmo lugar ou porque não reconhecemos nem as músicas, nem as pessoas, nem as roupas, nem as gerações, e, muitas vezes, nem a nós mesmos.

E é preciso deixar o baile com a cabeça erguida. Porque queremos nas noites de sextas e sábados nos jogarmos no sofá, na frente da televisão. Porque queremos dormir mais cedo. Porque a chuva não nos deixa sair, diferentemente de como era antes. Ou porque nosso par não se encontra mais nos bailes da vida, e sim dentro da nossa vida. E o coração pede para ficar. Os pés pedem para ficar. E, principalmente, porque aquele que nos convidou para contradança e melhor nos balançou no ar também nos pede para ficar.



terça-feira, 20 de novembro de 2018

Na bagunça do armário


Hoje, em meio a livros, papéis e preocupações, uma limpeza se fez necessária, como se o externo fosse capaz de organizar o interior. Foi a forma que encontrei, naquele momento, de me resgatar, perdida em pensamentos, ideias, planos e projeções.

E num movimento de rasga papel, separa livros e organiza pastas, me deparei com um depósito de boas lembranças, o que naquele dia me fez ganhar a manhã.

Separadas e bem guardadas, encontrei uma coleção enorme de cartinhas que recebi dos meus alunos no dia dos professores no meu segundo ano de profissão. Impossível não sorrir e relembrar de um por um, dos rostinhos, das letras, do que seguiram seus caminhos, dos que permanecem…

Nas cartas, bondosos que são, diziam que gostavam de aprender Português porque era comigo, que eu era a melhor professora do mundo, que me amavam, que eu sabia ensinar de verdade, que eu despertava o gosto pelo estudo, me agradeciam por fazer parte de suas vidas.

Pudera eu reescrever um trecho de cada cartinha e me entenderiam.
O que a princípio seria a organização de um armário se tornou a reativação da lembrança de uma escolha feliz. A escolha que fiz no dia em que decidi o curso que delinearia a minha vida, os meus projetos e a minha alegria de viver.

Sou mais feliz por tê-los no meu dia a dia, confesso. Nos identificamos, nos vemos um no outro, nos queremos bem. E são nesses momentinhos de distração em que a felicidade vem nos visitar, quando nos sentimos perdidos e nos reencontramos na bagunça do armário em em meio a cartinhas e declarações de amor, como se algo sussurrasse baixinho no ouvido: “vale a pena continuar”.


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Não mais


Ninguém disse que seria fácil viver um amor à distância, mas mesmo assim ela quis. Ela quis enfrentar um a um dos desafios que aquele amor lhe lançaria. E ela não teve medo. Ela arriscou. Tentou. Amou. Se jogou. E dia após dia, ela se levantava da cama com um sorriso de quem sabia exatamente o que queria. Sentia estar no caminho certo. A vida lhe mostrava isso. Ela se sentia mais leve, mais amada, e por que não, mais livre.

Contudo, do outro lado, havia, medo, receio, passado, desilusão. E por mais que tentasse convencê-lo de que valeria a pena, de que era preciso arriscar, de que ela a faria feliz, o medo de amar o tomava por completo e o fazia recuar. Ele sentia medo de amar, medo do futuro, medo da saudade doer, medo de não saber lidar com tanto amor.

Ela era inteiramente amor. Ele era inteiramente medo. Ela ela profundidade. Ele caminhava no raso e nunca se jogava ao fundo. Ela era extremos, intensidade. Ele era meio termo, sensatez. Ela era quente, fervendo, pelando. Ele era o morno, a temperatura ambiente.

E por ela querer demais e ele sentir medo demais, ela resolveu não mais querer, pelo menos não mais ele. Ela resolveu se entregar para quem tivesse coragem de acolher todo o seu amor, de esperar com vontade o próximo encontro. Não precisava ser perfeito, só precisava ser humano, real e querer amar, assim como ela.

E porque tinha medo de amar, ele não mais esteve em seus planos. Ele não mais fez parte de sua psique. Ele não mais recebeu seu amor. Porque tinha medo, ele não foi feliz ao lado de quem mais amor lhe pôde oferecer durante uma vida inteira.