O fato é que dentro de mim há um
turbilhão de emoções que custo a conter às vezes, um misto de partida e
chegada; de querer ir, mas querer também ficar; de medo e de coragem; de
lágrimas e de sorrisos; de futuro e de passado, de estudos e sonhos, mas de
família e segurança também.
Às vezes tenho a sensação de que
a pandemia, de alguma forma, me preparou para tudo o que eu viveria agora.
Passar intensamente todo esse tempo em casa, sem vida social, sem sair, sem
contatos me fez me aproximar mais de mim mesma, refletir sobre o sentido da
vida, sobre o que busco e o que desejo, sobre quem sou e quem desejo ser e que
legado deixarei quando me for daqui. Pude reafirmar a decisão de contribuir,
mesmo que bem pouco, com o que de melhor sei fazer: ensinar línguas, em
especial, a minha, como acolhimento, para quem se encontra tão só e vulnerável
num país estranho. E por incrível que pareça é isso que tem me feito alçar
esses voos longos e repentinos. É como se agora eu também ocupasse o lugar de
um deles, de migrante, e, talvez por isso, minha pesquisa daqui em diante faça
muito mais sentido.
Se por um lado eu via bem claro o
que queria para mim, por outro lado tomar essa decisão não foi nada fácil.
Parece simples dizer um sim para um sonho, mas ao mesmo tempo esse ‘sim’ exige
um ‘não” para tantas outras coisas que gostaria de carregar comigo na bagagem. Aos
poucos, estou aprendendo que não deixo nada para trás, já que carrego comigo
cada momento juntos, cada café da tarde, os puxões de orelha (dados e
recebidos), as caminhadas pela manhã, as paisagens, as reuniões de família.
Nada disso fica, pelo contrário, tudo isso vem comigo me encorajando a desbravar
novos mundos para que outros também venham junto.
Sinto como se cada desafio vivido
nesses dois últimos anos me tornasse mais forte e mais segura para viver tudo
isso. E não foi fácil. Tomar a decisão de tentar o doutorado, depois de um
mestrado sofrido, contrário ao desejo de quem não queria me ver passar tanto
tempo na frente do computador, foi um golpe de rebeldia até certo ponto. No início
eu sentia vergonha por dizer que tinha passado no doutorado. Preferi não
contar, não publicizar e seguir em silêncio.
A própria vida me testou me
fazendo pensar em desistir tantas vezes, quando, ainda no início, o pai da
Lívia se foi de uma forma tão dolorosa, meu pai em tratamento oncológico, minha
mãe com o dedinho do pé quebrado usando bota ortopédica, tia Lelena fazendo tratamento
nos olhos, depois veio a coluna que também exigia atenção... e por várias vezes
eu me perguntei: o que fazer? Será que dou conta?
Nunca foi fácil entrar para o
quarto, fechar a porta e tentar me concentrar para estudar ou trabalhar
fingindo que nada disso estava acontecendo lá fora. Nunca foi fácil fazer cara
de paisagem em frente a câmera do computador quando meu desejo era desligar
tudo aquilo ali logo e dizer ‘não’ para aquelas reuniões intermináveis e sem
sentido. E por isso eu quis desistir tantas vezes, por não conseguir equilibrar
e administrar tantas demandas urgentes e importantes. Eu não queria estar lá, mas
eu precisava estar... Era assim que eu me sentia.
Mas o universo disse que o
caminho era outro. Dia após dia a tempestade foi se acalmando, cada coisa
retomando seu lugar ou encontrando um novo lugar, BH me trouxe de volta para
uma outra realidade e um novo caminho se desenhou de um jeito harmônico que às
vezes custo a acreditar. Sinto como se Deus providenciasse cada detalhe. É tudo
tão encaixadinho que me assusta. Cada pensamento, cada desejo vejo sendo
realizado um a um de uma forma tão cuidadosa que me sinto muito privilegiada. Quero
honrar tudo o que tenho vivido, desde a oportunidade de estudar em outro país
um tema que faz muito sentido para mim quanto cada apoio, cada abraço, cada
mensagem, cada olhar.
Quero que cada um se sinta parte
disso, desde quem viveu comigo aquela brincadeira de criança lá atrás quando a
Liliane tímida e inocente sonhava em ser poliglota e conhecer outros países,
quem me abraça com os olhos marejados de emoção depois de uma festa surpresa, quem
prepara a festa surpresa, quem me acompanha para comprar malas, quem imprime um
monte de documentos intermináveis, quem aguenta muitas vezes meu mau humor e
angústia, quem reza por mim todos os dias desejando intensamente que tudo se
resolva logo. Obrigada, família, por tudo, por todo carinho, por cada palavra
de apoio, pela torcida. É nosso! Tudo isso é nosso! Eu vou, mas estejam certos,
todos e cada um de vocês vêm comigo. Eu os amo demais! Merci beaucoup por
viverem tudo isso junto comigo!!!
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