Antes, quando criança, a canção “Ave Maria” significava para mim o dia que seria o mais importante da minha vida, meu casamento. Pobre de mim, mal sabia quantos sentidos a Ave Maria e um casamento poderiam trazer a uma jovem mulher nascida e criada no Brasil, em uma cidadezinha pequena no interior de Minas. No final das contas, esse dia nunca chegou a existir, o que jamais se tornou um problema para mim, por mais que eu idealizasse esse dia desde muito nova. Muito pelo contrário, eu sempre soube que mais importante do que a música, deveria ser quem me esperava lá, em frente ao altar.
Já hoje, tão mudada, tão outra, a “Ave Maria”
me traz fortemente a memória da minha avó. Sempre às 18h, a hora do Angelus, a
capela perto de nossa casa anunciava que era momento de oração. Era quando,
então, eu a via silenciar-se em frente à janela do quarto, com o terço na mão
olhando a Serra de Nossa Senhora da Piedade. Nesse momento, não se podia fazer
barulho, rir alto ou falar mal dos outros. Mesmo que não rezássemos, era
momento de respeito e deveríamos todos nos calarmos. E ela ficava ali,
quietinha, a mexer os lábios, com o olhar triste, distante, como se conversasse
com Deus.
Hoje, quando a mesma capela, às
18h, toca a Ave Maria, numa tarde de domingo, sinto como se essa canção me
levasse de volta para aquele cenário, para minha infância, para minha avó.
Basta eu fechar os olhos e sentir toda a pureza daquele momento, toda a riqueza
e privilégio do convívio com minha avó, por poder presenciar todos os dias
aquela mesma cena, carregada de sentido.
E essa mesma música, quando
tocada em casamentos ou situações especiais me traz à tona emoções que
definitivamente não sou capaz de controlar e, quando me dou conta, as lágrimas
descem copiosamente, como agora, enquanto escrevo esse texto e ouço a Ave Maria
que toca na mesma capela perto de casa, enquanto o sol se põe e a lua já aparece
no alto do céu, de frente para a janela do meu quarto.
Enquanto choro, agradeço a Deus,
em silêncio, a memória feliz e nostálgica que me traz essa canção. E hoje
entendo que os momentos e lembranças mais felizes não são de grandes e épicos momentos,
como o suposto dia do meu casamento, mas da singeleza e simplicidade do dia a
dia, como naquele tempo em que eu via a minha vó pontualmente às 18h em frente
à janela do quarto com o rosário nas mãos, silenciosa e contemplativa. A Ave
Maria, onde quer que eu esteja, sempre me trará a minha avó, também Maria, em
uma das minhas recordações mais lindas e puras, carregada de sinestesia,
lágrimas e gratidão.
Menina, você vai longe, você é uma escritora nata! Parabéns!!
ResponderExcluir