sábado, 17 de novembro de 2012

Tenho medo



Sinto medo. Confesso. E receio que as pessoas que mais amo nesse mundo me deixem um dia. E por isso, tenho medo de não suportar a dor, de a vida perder o sentido, medo de não ter motivos para continuar. Medo de ficar só.

Tenho medo das peças que a vida ainda falta pregar, do que o destino me reserva, de tudo que ainda está prestes a acontecer, de todo o porvir. Medo das tempestades, dos trovões e de não haver quem me proteja um segundo depois do relâmpago.

Confesso. Sinto medo. Muito medo. Medo de vir a escuridão e a luz não mais reaparecer. Medo de me cegar, do coração endurecer, de perder toda a poesia, de viver meus dias restantes em preto e branco. Medo de não poder ajudar a quem precisa, de depender de quem não se deve ou não se pode depender e de não ser capaz de atender a quem precise de mim.

Tenho medo dessa miséria crônica, desse nada a se fazer, desse egoísmo exacerbado, dessa individualidade frequente e de toda mórbida boa vontade. Medo... Medo do ponto a que podemos chegar, do que podemos deixar para as próximas gerações, da demagogia e desonestidade tão vãs. E tenho medo, ainda mais medo, de que um dia tudo isso pareça normal, medo de que os valores se invertam e de que os loucos passamos a ser “nosotros”.



segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Minha segunda família


Hoje, quase seis anos depois, sinto como é difícil ainda me lembrar de um momento que me arranca lágrimas. Os perdoo por toda ausência, mas concluo com lamentação: não os encontro na memória num momento que considero tão especial e ao mesmo tempo marcante.

Naquele dia, meu irmão e eu não nos falávamos. Havíamos discutido coisas banais ou nem tão banais a ponto de não conseguirmos nos encarar. Já meu pai, ausente e displicente, nem sequer me olhava nos olhos. Enquanto isso, minha mãe tentava fazer o que podia, nas suas limitações. Mas Eles não... Os vejo hoje movendo céus e terras para que aquele meu sonho infantil saísse sob encomenda. Visualizo todos Eles me trazendo as economias, os préstimos, o sorriso, o desejo de que dêsse certo, o abraço... 

Me lembro, em especial, e com detalhes, do dia anterior. As malas por se terminar, a ansiedade, o medo e a presença, na medida do possível, da minha mãe. Mas é quando Eles reaparecem, nesse momento de malas quase prontas e pés ao meio do caminho que toda a lembrança me dói mais. No ápice da quase solidão, num momento de desorientação, me aparecem elas, minhas primas-irmãs, trazendo nas mãos um bolo de chocolate, cartinhas cheias de carinho e algumas fotos tão nossas. Me vi feliz novamente, apesar de me sentir perdida e sem saber o que fazer, sensações permanentes nos últimos dias. Na hora de partir o bolo, lá estavam Eles de novo, dessa vez com o refrigerante que faltava.

Meu irmão havia saído com a companhia de sempre e meu pai, como de praxe, não se encontrava em casa. Minha mãe, dessa vez, se achava ao telefone, conversando horas a fio com uma das amigas tão chatas e inoportunas, que ligava nos momentos menos apropriados e na hora em que mais solicitávamos a presença dela.

Quando parti o bolo, apenas Eles, minha segunda e não menos importante família, estavam comigo. Sorriam, me olhavam, me desejavam boa sorte, insistiam inconscientemente para que eu os levasse no coração. Os trago até hoje na lembrança, na minha vida e nas lágrimas de gratidão que hoje rolam quando toda essa recordação me vem.

Meu pai e meu irmão, os procuro por toda a parte na memória num momento marcante e dolorido, e não os encontro. Aliás, quanto ao meu irmão, me lembro do seu pouco caso e da sua empáfia, já meu pai parece ter sido apenas um figurante e, minha mãe, pobrezinha, me lembro de fazer tudo o que pôde, dentro das suas limitações.

Mas Eles, como sempre, estavam presentes para fazer a diferença e mudar o roteiro. E o que tenho em troca são as lembranças bastante fortes de cada momento, da cada sorriso, daquele bolo que salvou minha noite e de todos Eles à mesa preenchendo um pedaço bem grande da minha vida que por pouco ficaria vazia de história, de boas lembranças e de bons sentimentos . Quanto à minha mãe, fez tudo o que pôde, nas suas limitações, já meu pai e meu irmão, os perdoo por não encontrá-los apesar de revirada a lembrança ou por encontrá-los não em bom estado. Já Eles, fizeram aquele meu momento de ansiedade, desorientação e medo ser bonito e especial. Queria aproveitar e revelar, Eles não apenas fazem parte da minha vida, Eles SÃO a minha vida. Ah... e se não fossem ELES, o que seria de mim?